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Combatendo o bom combate?


Só agora assisti ao filme sobre a vida de Paulo, lançado em 2018. Excelente adaptação. Excelente produção. Recomendo a todos que assistam.

E o texto que agora escrevo traz algumas reflexões que já andam por minha mente há bastante tempo, mas que tiveram um reforço após o filme, pois nele vemos uma realidade que não mudou com o tempo: o conflito dos valores da igreja de Cristo com os valores do mundo.

Mesmo o tempo histórico sendo outro. Mesmo os desafios não sendo idênticos. Mesmo as opressões e violências contra o Evangelho sendo diferentes. Todos os princípios demonstrados no filme, os quais creio serem fiéis aos escritos bíblicos, são perfeitamente aplicáveis ao nosso contexto hoje.

Vemos uma igreja incompreendida na sua mensagem, não só pelos “de fora”, mas também pelos “de dentro”. Uma igreja oprimida na sua liberdade de ter apenas Cristo como Senhor absoluto de sua vida. Uma igreja sendo morta por não ceder às exigências da cultura e do governo. E, finalmente, uma igreja precisando entender como agir em meio a todos esses desafios.

Nesse contexto, vemos Paulo preso, durante a perseguição de Nero aos cristãos, sendo acusado de ser o mentor do incêndio em Roma. Incêndio esse que teria sido cometido pelo próprio Nero, mas que “matou dois coelhos” acusando os cristãos: livrou-se da culpa e justificou a perseguição. Nada dessa história está na Bíblia. São hipóteses levantadas ao longo da história, que embora sejam plausíveis diante de documentos existentes, cristãos e não cristãos, não deixam de ser apenas hipóteses. Mas isso não tira o mérito das aplicações do Evangelho feitas no filme, que, como eu já disse, creio serem totalmente conformadas com os ensinos do Cânon.

Então, temos Paulo preso e condenado à morte sob a falsa acusação de liderar uma seita que ameaça o império e que demonstrou sua periculosidade ao incendiar Roma. Temos a perseguição implacável do império, que usava os cristãos como tochas para iluminar as ruas da cidade e os jogava aos leões para diversão do povo no Coliseu. Temos uma igreja amedrontada, questionando sua fé e sem saber como reagir. Alguns optam por fugir, outros por suportar e outros por pegar em armas para lutar.

Nessa encruzilhada, temos Lucas fazendo a ponte entre Paulo e a igreja, buscando a sua orientação e fazendo o registro dos Atos dos Apóstolos, no intuito de inspirar e orientar a igreja nesse período.

Quais são os ensinamentos das Escrituras deixadas pelos apóstolos para o enfrentamento das perseguições e para a vida em uma cultura hostil?

"Porque é louvável que, por motivo de sua consciência para com Deus, alguém suporte aflições sofrendo injustamente. Pois que vantagem há em suportar açoites recebidos por terem cometido o mal? Mas se vocês suportam o sofrimento por terem feito o bem, isso é louvável diante de Deus. Para isso vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando-lhes o exemplo, para que sigam os seus passos. 'Ele não cometeu pecado algum, e nenhum engano foi encontrado em sua boca'. Quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se à quele que julga com justiça." 1 Pedro 2.19-23

"Não retribuam mal com mal nem insulto com insulto; pelo contrário, bendigam; pois para isso vocês foram chamados, para receberem benção por herança." 1 Pedro 3.9

"É melhor sofrer por fazer o bem, se for da vontade de Deus, do que por fazer o mal." 1 Pedro 3.17

"Eles acham estralho que vocês não se lancem com eles na mesma torrente de imoralidade, e por isso os insultam. Contudo, eles terão que prestar contas àquele que está pronto para julgar vivos e mortos." 1 Pedro 4.4,5

"Agora, compelido pelo Espírito, estou indo para Jerusalém, sem saber o que me acontecerá ali, senão que, em todas as cidades, o Espírito Santo me avisa que prisões e sofrimentos me esperam. Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão-somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor Jesus me confiou, de testemunhar o evangelho da graça de Deus." Atos 20.22-24

"Mas você tem seguido de perto o meu ensino, a minha conduta, o meu propósito, a minha fé, a minha paciência, o meu amor, a minha perseverança, as perseguições e os sofrimentos que enfrentei, coisas que me aconteceram em Antioquia, Icônio e Listra. Quanta perseguição suportei! Mas, de todas essas coisas o Senhor me livrou! De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos." 2 Timóteo 3.10-12

"Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das misericórdias e Deus de toda consolação, que nos consola em todas as nossas tribulações, para que, com a consolação que recebemos de Deus, possamos consolar os que estão passando por tribulações. Pois assim como os sofrimentos de Cristo transbordam sobre nós, também por meio de Cristo transborda a nossa consolação." 2 Coríntios 1.3-5

"De todos os lados somos pressionados, mas não desanimados; ficamos perplexos, mas não desesperados; somos perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não destruídos. Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo. Pois nós, que estamos vivos, somos sempre entregues à morte por amor a Jesus, para que a sua vida também se manifeste em nosso corpo mortal." 2 Coríntios 4.8-11

"Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança." Tiago 1.2,3

Muitos outros textos e exemplos poderiam ser citados, mas acredito já ter sido o suficiente.

Percebam que a postura dos apóstolos e dos primeiros cristãos em relação à perseguição era de suportar, de glorificar a Deus com seu testemunho de se alegrar em sofrer por amor do Evangelho e de Cristo.

Não há nenhuma indicação ou exemplo para que o cristão se levante contra seus perseguidores, nem mesmo para se defender. Não há nenhum mandamento, direto ou indireto, para combater ou subjugar aqueles que nos perseguem por nossa fé e prática.

O verdadeiro cristão sofre e morre por sua fé, não agride e mata em nome dela. O verdadeiro cristão vive e pratica os valores cristãos, não os impõe aos outros. O verdadeiro cristão prega o Evangelho da salvação aos ímpios, não busca modificar o comportamento dos não salvos por meio da coerção, muito menos da coerção estatal.

Realmente acredito que o cristão possa, e deva, influenciar a cultura em que está inserido. Mas essa influência está muito mais no fato dele próprio viver e praticar os valores cristãos do que em tentar que os outros façam isso. Pelo testemunho das Escrituras foi assim que os primeiros cristãos fizeram isso. Foi sofrendo e morrendo por causa de Cristo que eles influenciaram o mundo.

Hoje, não sei se por uma má aplicação da Teologia das Esferas de Abraham Kuyper ou por um desejo anacrônico de serem os Puritanos da nossa era, os cristãos brasileiros querem alçar as esferas do poder, não para darem um bom testemunho de honestidade e sabedoria, mas para “defenderem os valores cristãos”. Mesmo que, paradoxalmente, nessa tentativa de defendê-los, eles neguem vários valores cristãos. Querem trazer o céu para a terra por meio do Estado.

Fico imaginando qual seria o comportamento de alguns dos teólogos atuais se vivessem no império romano de Nero. Seus textos seriam criticando o governo por serem perseguidores dos cristãos? Talvez eles dissessem que seria legítimo pegar em armas para defender a igreja?

Não consigo deixar de pensar que eles estariam no lado oposto de Paulo, Pedro e Tiago.

Segundo o senso de 2010 realizado pelo IBGE, 86,8% dos brasileiros se dizem cristãos. 86,8%!!!!

Se metade dos cristãos procurasse mudar apenas a sua própria vida moldando-a à Palavra de Cristo, o Brasil seria outro. Como seria o trânsito com 86% de cristãos genuínos? Ainda teríamos crianças vivendo em orfanatos? Ainda teríamos tantos homicídios? Ainda teríamos tanta violência doméstica? Ainda teríamos pessoas morando nas ruas?

O número de cristãos ocupando cargos públicos no Brasil é bastante significativo, mas qual o impacto disso?
Paulo, no final da sua vida, já sabendo de sua morte nas mãos do império romano, escreve a seu discípulo Timóteo:

"Eu já estou sendo derramado como oferta de bebida. Está próximo o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé." 2 Timóteo 4.6,7

Ele via sua morte como uma oferta agradável a Deus. Nenhuma palavra contra seus executores. Nenhuma incitação a se insurgir contra o império. Nenhuma amargura. Nenhum ódio. Pelo contrário, nessa mesma carta ele disse:

"Ao servo do Senhor não convém brigar mas, sim, ser amável para com todos, apto para ensinar, paciente. Deve corrigir com mansidão os que se lhe opõem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento, levando-os ao conhecimento da verdade, para que assim voltem à sobriedade e escapem da armadilha do diabo, que os aprisionou para fazerem a sua vontade." 2 Timóteo 2.24-26

Nada parecido com o aquilo que vemos hoje no contexto brasileiro.

Longe de terminar a reflexão, pois sigo nela, sabendo que faço parte do problema, sabendo que posso estar errado em várias das coisas que escrevi, mas esperando ser corrigido com mansidão, como recomendou Paulo, termino o texto com a oração:

Ajuda-nos, Senhor!


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