Ando de trem todos os dias. Então, vejo a inscrição da foto
várias vezes. Mas nunca deixo de me admirar com ela. Pela escrita, percebe-se
que não é alguém letrado, mas não por isso, menos inteligente na sua
observação. Sabe-se lá qual a intenção do autor, mas seu pensamento me fez
refletir. Espero que me acompanhe nessa “viagem”.
O que tem de mais na frase? Olhar para o trem e perceber que
nele cabem muito mais pessoas em pé do que sentadas é um tanto óbvio. Então por
que escrever um texto sobre isso?
Acredito que uma obviedade não daria ao autor a inspiração
de escrever o pensamento em letras garrafais no alto de um prédio ocupado,
aparentemente, de maneira irregular, por pessoas sem teto. Acredito haver um
grito, uma denúncia ou apenas uma triste constatação. Há um paralelo com a
vida.
Por que o trem foi feito dessa forma? Existiria um meio
melhor de construí-lo? Quem se beneficia com esse formato? Qual o efeito que
isso causa nos passageiros? O que fazer para ir sentado?
Não sei se é maluquice minha, mas todas essas perguntas
brotam na minha mente sempre que vejo o manifesto.
Não tem lugar pra todo mundo sentar. Na verdade, a minoria
vai sentar. Só os mais rápidos, os mais fortes e os mais espertos vão sentar.
Para falar na linguagem empresarial de hoje, só os mais aptos vão conseguir o
seu lugar sentado.
Por que não fazer composições com mais lugares sentados?
Porque em pé se carrega mais
gente! Menos trens com mais gente. Menos gasto. Maior lucro!
O sistema ferroviário de passageiros não foi planejado para
atender aqueles que nele viajam. Ele foi planejado e é operado para atender a
demanda daqueles que o exploram e nunca andam nele.
Mas os usuários não têm tempo e nem disposição para ficar
pensando nessas coisas. Acordam às 4h da manhã e chegam em casa às 20h. Estão
esgotados. Ocupados demais lutando pela sobrevivência para ficar filosofando
sobre o formato dos trens. Talvez seja essa a vantagem do sem teto. Ele já está
morando no Centro, mesmo que num imóvel ocupado irregularmente, ele só vê o
trem pela janela.
O que resta ao usuário? Lutar por um lugar sentado!
Pra quê lutar por uma composição mais justa, com mais
lugares sentados, onde todos poderiam ter o seu descanso? É mais fácil garantir
o meu! Não tenho culpa se as coisas são assim! Não fui eu que inventei esse
sistema! As coisas sempre foram assim e não vão mudar! O dono da Supervia está
fora do meu alcance. Os políticos que fazem as concessões mais ainda. Não posso
exigir nada deles!
Quem é o inimigo a ser vencido então? Infelizmente é aquele
que está ao seu lado.
Este vídeo demonstra bem o que estou falando (o "detalhe" do cartaz ao lado da porta parece ironia):
Vejam a ferocidade! Crianças, idosos e deficientes não têm
vez. O importante é sentar! Na luta por seu lugar sentado, vale tudo. Vale
pisar em qualquer um. Vale usar de qualquer estratégia.
A luta é tão ferrenha, que é preciso criar assentos
reservados (as cotas) para aqueles que não tem condições de entrar nessa
batalha espartana em igualdade.
E dessa forma se vive a vida, não apenas nos trens da
Supervia.
Nesse momento me vem à memória do filme estrelado por Will
Smith, “A Procura da Felicidade”, que tem a história baseada na vida de Chris
Gardner. No filme, Chris é despejado e chega a dormir no banheiro do metrô com
seu filho. Ele consegue entrar numa seleção de uma grande empresa, onde 30
homens lutam por apenas uma vaga. E Chris consegue essa vaga. Daí todo mundo
chora e pensa: que belíssima história de superação! Mas como eu devo ter nascido
com algum defeito de fábrica, só penso em uma coisa: só havia uma vaga!
Eram 29 lugares em pé e um lugar sentado. Não importa o quão
dedicados e aptos fossem os 30 candidatos, nada mudaria o fato de que 29 seriam
rejeitados. Mesmo que fossem 30 Chris Gardner!
Quase ninguém questiona o mundo em que vivemos. Quase ninguém busca
imaginar um mundo diferente, onde haja mais lugares sentados, ou melhor, onde
todos possam sentar.
Mais ainda, quase ninguém está disposto a despender a mesma
energia que utiliza para sentar, para fazer com que o outro sente. Estão todos
buscando o seu próprio lugar.
Ah, como eu queria viver em uma sociedade onde as cotas não
fossem necessárias! Onde houvesse igualdade real de oportunidades!
No entanto, as únicas pessoas que tem interesse real que o
mundo mude, estão brigando entre si, para poderem viajar sentadas.
E assim, tudo segue como sempre.
CENTENAS VÃO CENTADO MILHARES VÃO EM PÉ
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